Após um intervalo de quatro anos fora da Casa Branca, Donald Trump voltou para um segundo mandato presidencial nos Estados Unidos, retomando a sua agenda política com ainda mais vigor. No entanto, desde sua eleição, Trump tem lançado medidas que já impactaram fortemente tanto a economia americana, quanto o xadrez geopolítico internacional, reacendendo debates globais sobre o novo reposicionamento dos EUA e colocando em xeque o futuro da nação como a maior potência do planeta. 

Os primeiros 100 dias de governo de Donald Trump foram marcados pela sua (não tão) nova administração, que resgatou bandeiras antigas como o protecionismo econômico e um maior controle migratório, só que, agora, adaptada a um mundo pós-pandemia, marcado por incertezas econômicas e disputas tecnológicas com a China. Neste contexto, analisaremos como as novas políticas de Trump influenciam a guerra comercial com a China, os riscos de recessão americana, a reforma e crise migratória e o novo papel dos EUA no cenário global.

Guerra comercial: a nova escalada dos EUA contra a China e aliados

Desde o primeiro mandato, Trump defendeu que os Estados Unidos estariam em desvantagem nas suas relações comerciais, especialmente com a China. Seu retorno ao poder reativou esta tese, com um pacote de tarifas ainda mais agressivo sobre produtos chineses, incluindo semicondutores, veículos elétricos e painéis solares.

Além da China, outros países também entraram no radar: o México foi pressionado quanto ao cumprimento de metas ambientais no USMCA (Acordo Estados Unidos-México-Canadá), e a União Europeia enfrentou novas taxações sobre aço e produtos agrícolas.

Estas foram as principais medidas adotadas pelo Governo Trump em 2025:
  • Imposição de tarifas adicionais de até 150% sobre bens chineses de alta tecnologia;
  • Ampliação da lista de empresas chinesas proibidas de operar nos EUA, sobretudo nos setores de IA e telecomunicações;
  • Revisão de acordos comerciais com o Sudeste Asiático, buscando exigir cláusulas mais competitivas à indústria norte-americana.

Essa postura causou desconforto em diversos países, principalmente os diretamente afetados pelo tarifaço, bem como despertou receios nos mercados internacionais sobre uma nova onda de desglobalização e rupturas em cadeias produtivas essenciais, como a de chips e metais raros.

Como a inflação, juros e tensão nos mercados intensificaram o risco de uma recessão americana

A intensificação da guerra comercial promovida pelo atual governo Trump coincide com um ambiente macroeconômico ainda mais vulnerável. A inflação americana, que vinha recuando gradualmente, voltou a dar sinais de pressão, especialmente no setor energético e bens duráveis. As novas tarifas impostas a produtos chineses e europeus podem elevar a inflação ao consumidor nos próximos meses, complicando ainda mais o trabalho do Federal Reserve (Banco Central dos EUA), que mantém a taxa básica de juros acima de 5%.

Enquanto isso, os mercados financeiros estão captando sinais de fragilidade na atividade econômica americana. A curva de rendimentos dos Treasuries, índice que mostra os juros que o governo dos EUA paga para tomar dinheiro emprestado em diferentes prazos, continua invertida. Esse é um tradicional indicador de recessão futura que, somado ao recuou abaixo de 50 pontos no índice ISM da indústria manufatureira, revela contração no setor. 

EUA e a possibilidade de uma recessão econômica
Há desconfianças, apesar de discurso otimista

Por esses e outros motivos, as empresas têm demonstrado maior cautela nos investimentos, mantendo a confiança empresarial em níveis baixos pelo temor de que os juros altos e a política comercial agressiva possam limitar a sua recuperação. Apesar disso, a administração de Trump mantém um discurso otimista, atribuindo os atuais ajustes econômicos ao “início de uma nova reindustrialização”. 

Segundo o governo americano, bilhões estão sendo investidos na indústria, sobretudo em setores estratégicos, como semicondutores e defesa. Contudo, até agora, o crescimento no emprego industrial e nos indicadores de produção ainda é modesto, sem confirmação concreta da transformação prometida pela liderança americana.

Postura agressiva dos EUA gera efeitos colaterais

A volatilidade nos mercados aumentou, com o índice VIX (Volatility Index), conhecido como o “índice do medo” do mercado de ações dos Estados Unidos, registrando fortes altas recentes. Enquanto isso, moedas de economias emergentes se desvalorizaram diante da aversão global ao risco. Já o preço do ouro, por sua vez, também subiu de forma consistente, indicando maior apreensão dos investidores em relação ao futuro econômico.

Diante desse contexto, o grande desafio para os próximos meses será calibrar a política econômica para evitar que a combinação de tarifas, juros elevados e instabilidade de confiança empresarial resulte em uma recessão prolongada em solo americano. A capacidade do governo de conduzir ajustes sem aprofundar ainda mais as tensões internas e externas será decisiva para o desempenho econômico dos Estados Unidos até o fim de 2025.

Nova política migratória dos EUA: barreiras, filtros e prioridades econômicas

A agenda migratória voltou a ser um dos pilares centrais do segundo governo Trump. Nos primeiros 100 dias de mandato, o presidente assinou uma série de ordens executivas reformulando o sistema de concessão de vistos. As novas diretrizes introduziram critérios que incluem maior alinhamento cultural aos chamados “valores americanos” e um escrutínio mais rigoroso sobre estudantes estrangeiros, especialmente aqueles ligados a movimentos políticos considerados hostis aos interesses dos EUA.

Além disso, o Departamento de Estado passou a priorizar vistos para profissionais estratégicos, focando em áreas sensíveis como defesa, semicondutores e inteligência artificial. Especialistas estimam que aproximadamente 20% das novas autorizações de trabalho emitidas no primeiro trimestre foram destinadas a engenheiros, cientistas de dados e especialistas em segurança cibernética, como parte de uma estratégia para fortalecer a competitividade tecnológica americana.

EUA e sua política de tolerância zero para imigração ilegal

Para a imigração irregular, a política de tolerância zero foi reinstaurada com vigor. Dados preliminares indicam um aumento de cerca de 30% nas deportações em comparação ao mesmo período do ano anterior. Também houve o envio de milhares de membros da Guarda Nacional para reforçar a segurança em regiões sensíveis da fronteira sul, gerando tensões diplomáticas com países latino-americanos e provocando reações críticas de organismos internacionais de direitos humanos.

O endurecimento da política migratória afetou diretamente o ambiente acadêmico. Diversas universidades de renome, que tradicionalmente dependem da diversidade internacional para programas de pesquisa e financiamento, registraram uma queda nas inscrições de estudantes estrangeiros. Estimativas preliminares apontam para uma redução de cerca de 12% no número de novos vistos estudantis emitidos em relação ao mesmo período anterior, acentuando preocupações sobre a perda de talentos globais.

A nova abordagem americana gera divisões políticas e sociais

Setores conservadores elogiam a ênfase em segurança e valores nacionais, enquanto lideranças empresariais e educacionais alertam para os impactos negativos na inovação e na capacidade dos EUA de atrair mentes brilhantes. A curto prazo, espera-se que o novo modelo americano aumente a rigidez dos fluxos migratórios e reforce a imagem de um país mais fechado, com efeitos ainda incertos sobre o crescimento econômico.

A longo prazo, o sucesso ou fracasso dessa política dependerá da capacidade de equilibrar interesses de segurança nacional com a necessidade de manter os Estados Unidos como destino preferencial para talentos globais. Um excesso de restrições pode comprometer o dinamismo tecnológico e científico que historicamente impulsionou a liderança americana no cenário internacional.

EUA mantém sua liderança no cenário internacional

Reposicionamento geopolítico dos Estados Unidos em 2025

Na política externa, o segundo mandato de Trump tem sido marcado por uma guinada ainda mais acentuada em direção ao unilateralismo. Em vez de isolamento passivo, o governo adota uma estratégia de ações diretas e, em muitos casos, sem consulta prévia a países aliados. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), por exemplo, voltou a ser alvo de críticas públicas por parte do governo americano. Trump ameaçou reduzir o compromisso militar dos Estados Unidos caso os países europeus não elevem seus gastos de defesa para pelo menos 3% do PIB, acima da meta tradicional de 2% definida em cúpulas anteriores. Atualmente, apenas 11 dos 31 países membros cumprem essa meta mínima, o que agrava a tensão no bloco.

Esse reposicionamento reflete uma política externa mais agressiva e pragmática, centrada no fortalecimento da supremacia tecnológica e energética dos Estados Unidos. O governo anunciou iniciativas bilaterais com aliados selecionados para desenvolver cadeias de suprimento seguras em setores estratégicos, como semicondutores e energia renovável, minimizando a dependência de rivais como China e Rússia.

Medidas geram reações adversas e repercussão global

As tensões com Pequim, no entanto, aumentaram após a imposição dessas novas restrições tecnológicas, especialmente no setor de inteligência artificial e telecomunicações. Já em relação à Rússia, o governo americano ampliou sanções econômicas mirando setores de mineração e finanças, em resposta a ações de desestabilização em regiões da Europa Oriental. Essas medidas geraram reações adversas, mas já esperadas, com Moscou e Pequim intensificando entre eles acordos comerciais e militares bilaterais como forma de resistência ao cerco geopolítico liderado por Washington.

Internamente, a estratégia é justificada como um reposicionamento necessário para restaurar a liderança global americana em termos econômicos, militares e tecnológicos. No entanto, críticos apontam que o afastamento de aliados tradicionais, como Alemanha e França, pode minar a capacidade de articulação diplomática dos EUA em momentos de crise internacional, além de abrir espaço para novas alianças rivais.

A médio prazo, a eficácia desse novo posicionamento dependerá da habilidade americana de manter sua influência sem a tradicional rede de coalizões multilaterais. Caso o descompasso com países parceiros se amplie, os EUA correm o risco de enfrentar um cenário de multipolaridade acelerada, com maior contestação à sua liderança nos principais fóruns internacionais.

Reações ao governo Trump: Aliados cautelosos, os rivais em alerta

A volta de Trump ao poder gerou reações mistas ao redor do mundo. Enquanto líderes de países como Hungria e Israel celebraram a retomada de uma “ordem conservadora global”, outras nações adotaram uma postura mais defensiva. França e Alemanha, por exemplo, intensificaram negociações para fortalecer a autonomia estratégica da União Europeia, lançando iniciativas como o Acordo de Defesa Europeia e pactos econômicos regionais sem a participação direta dos Estados Unidos. No Japão, o governo reforçou acordos comerciais com o Sudeste Asiático e a Austrália para reduzir a dependência do mercado americano.

América Latina e Canadá no centro de possíveis entraves comerciais

Na América Latina, países como México e Brasil demonstram preocupação com a possibilidade de novos entraves comerciais. O setor agropecuário, em especial, teme a imposição de tarifas retaliatórias, já que os EUA importam anualmente cerca de US$ 50 bilhões em produtos agrícolas da região. No setor automotivo, o México, principal exportador para o mercado americano, avalia medidas de diversificação de mercados para mitigar riscos caso as renegociações do Acordo de Livre Comércio entre EUA, México e Canadá (United States-Mexico-Canada Agreement ou USMCA) avancem em termos desfavoráveis.

O Canadá, por sua vez, já sinalizou que adotará medidas de retaliação imediata caso o governo Trump leve adiante a revisão de cláusulas do USMCA. Ottawa estuda sobretaxar produtos sensíveis, como aço, alumínio e produtos agrícolas americanos, replicando a estratégia utilizada durante as disputas comerciais de 2018-2019.

Estratégia de Trump provoca um ambiente global multipolar e competitivo

A China, percebendo o agravamento da política externa americana, intensificou sua atuação diplomática e econômica no Sul Global. Apenas no primeiro trimestre de 2025, Pequim assinou mais de US$ 40 bilhões em novos acordos de infraestrutura e tecnologia com países da África e da América Latina, buscando consolidar sua influência em regiões onde os Estados Unidos têm enfrentado resistência diplomática.

Em um ambiente global cada vez mais fragmentado, a volta de Trump redefiniu rapidamente alianças e rivalidades. Enquanto aliados tradicionais adotam estratégias de contenção e diversificação, rivais como China e Rússia buscam preencher os espaços deixados pela retração diplomática americana, acelerando a construção de uma nova ordem internacional mais multipolar e competitiva.

Donald Trump está mudando, mais uma vez, o tabuleiro global

Uma nova ordem mundial instaurada pelos Estados Unidos

Os 100 primeiros dias do segundo mandato de Donald Trump deixam claras as intenções americanas de restaurar uma ordem mundial centrada nos interesses dos Estados Unidos, mesmo ao custo de tensões comerciais, diplomáticas e sociais no resto do mundo. Com ações rápidas e contundentes, o governo Trump reacendeu medos, expectativas e debates globais sobre liderança tecnológica, protecionismo, imigração e novas alianças militares.

A guerra comercial foi reativada com uma nova rodada de tarifas contra a China e aliados estratégicos, elevando os riscos de fragmentação das cadeias globais de produção. Internamente, a preocupação com inflação e a possibilidade de uma recessão técnica desafiam a estabilidade econômica americana, enquanto o governo adota uma narrativa de reindustrialização para sustentar suas políticas.

No campo migratório, as mudanças nos critérios de concessão de vistos e o endurecimento contra a imigração ilegal visam reforçar a segurança e a competitividade, mas já provocam impactos negativos na atração de talentos e no ambiente acadêmico. Na arena internacional, o reposicionamento geopolítico mais unilateral e agressivo amplia a desconfiança entre antigos aliados e impulsiona a ascensão de blocos alternativos, como os BRICS.

Estados Unidos: um futuro marcado por incertezas

Se, por um lado, a assertividade da nova administração americana poderá gerar ganhos pontuais em soberania econômica e segurança nacional, por outro, o risco de isolamento diplomático e de estagnação econômica não pode ser descartado. A manutenção de uma política de confronto simultâneo em múltiplas frentes exigirá habilidade política que, até o momento, não se mostrou uma prioridade para o governo americano.

Assim, os próximos meses serão decisivos para medir se o projeto de Trump de reposicionamento global se consolidará como uma nova era de supremacia americana ou se precipitará uma fase de transição acelerada para uma ordem internacional multipolar, com lideranças fragmentadas e dinâmicas de cooperação mais frágeis.

Acompanhe a TelliCoJus para mais análises especializadas sobre cenários econômicos globais, as jurisdições offshore mais indicadas e as melhores estratégias de proteção e expansão internacional de negócios e patrimônios.